Exceções para admissibilidade do aborto.
O aborto é um tema que sempre está retornando a calorosas discussões, não somente por se tratar de um assunto polêmico, mas também pelo surgimento constante de fatos que fazem aflorar essa discussão. O tema divide opiniões entre os que argumentam a favor da vida, independentemente de seu estágio, até os defensores da prática do aborto visando o interesse individual da pessoa e seus envolvidos.
Diante destas discussões, surge uma questão: Seria viável permitir a conclusão da gestação do feto portador de alguma doença?
Apesar da existência do aborto clandestino, são raras às vezes em que tais fatos chegam aos tribunais superiores com pedidos de autorização para sua realização e mesmo que esses pedidos fossem submetidos ao Judiciário, poderiam não ser concluídos em tempo, devido à demora no trâmite jurisdicional e também pela influência da religião composta por diversos profissionais do direito.
Assim, a interrupção da vida por meio do aborto de feto portador de alguma doença, abrange vários sentidos de valores científicos, humanos, religiosos e principalmente de direitos humanos que estão envolvidos com questões absolutamente éticas. Tais abordagens causam conflitos e provocam discussões, dividindo opiniões, entre a decisão da vida ou não de quem não pode por si só responder.
Alguns estudiosos entendem que a decisão relativa ao aborto deve ser atribuída ao Estado ou à mãe que leva no seu ventre um ser cuja única certeza é, a total impossibilidade de sobreviver além de alguns dias.
Entretanto, é correto comentar a posição jurídica dos dois extremos da vida humana: o feto e o cadáver. O feto e o cadáver não possuem dignidade da pessoa humana (já que pessoas humanas não são), entretanto, possuem uma dignidade relativa. O feto pelo que ele pode vir a ser e o cadáver pelo que foi.
O Estado teve a intenção de proteger a dignidade relativa do feto, a sua capacidade de adquirir direito de viver e se tornar uma pessoa humana após o nascimento, e não teve a intenção de tornar crime à prática do aborto em homenagem ao direito à vida, ou seja, quando o direito à vida da gestante está em risco, há a permissão do abortamento. Pela aplicação do princípio da proporcionalidade, pela ponderação dos bens jurídicos em conflito, é fácil perceber o acerto da legislação.
A gestante e o estudioso da medicina possuem direito à vida e dignidade da pessoa humana em suas formas plenas. Partindo desse pressuposto, resta avaliar a situação legal do abortamento voluntário quando se tratar de feto portador da anomalia genética.
A total proibição do aborto nos casos de anencefalia levando em consideração motivos meramente religiosos seria inadmissível em um Estado laico. É claro que cada um pode agir de acordo com sua crença. Entretanto, os limites da lei devem ser observados quando o assunto tratar a preservação da vida, claramente expressa no texto Constitucional.
Importante destacar que nenhum estudo que se faça sobre o tema pode dispensar os valores legais, religiosos, valores de liberdade, dignidade, ética, a autonomia da vontade e o respeito ao bem maior: a vida.
Alguns doutrinadores defendem a relevância do conflito entre o direito à vida intra-uterina do portador de anomalia contra os direitos à saúde e à liberdade de autonomia reprodutiva da mulher, quando decide pelo aborto. Discute-se que entre tantos outros, os direitos fundamentais são os que mais colidem com o tema.
Entretanto, importa novamente frisar que nenhuma decisão tomada em relação ao assunto jamais obterá unanimidade, diante da polêmica envolta ao assunto. Sempre penderá de opiniões e posicionamentos acerca do assunto, que apenas se concluirá após o estudo específico de cada caso.
Neste sentido, em julho de 2004, o Supremo Tribunal Federal – STF autorizou, através de liminar, o aborto do feto anencefálico (um tipo de anomalia – ausência de cérebro), o que poderia abrir precedentes para a permissiva de outros tipos de aborto de fetos portadores de anomalias. A ação foi proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde – CNTS que defende a tese de que é uma violação da dignidade, obrigar a mulher a levar até o fim uma gravidez, sabendo que ela não promoverá o nascimento com vida ou essa vida não se prolongará em consequência da anomalia portada pelo feto.
Diante desta propositura, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB manifestou opinião contrária a esse entendimento, haja vista que o direito à vida está tutelado na Constituição da República Federativa do Brasil e trabalhou junto às instâncias de superiores, ou seja, alcançou a suprema corte, por meio dos magistrados do STF, para que fosse tomada a decisão mais adequada. Em outubro de 2004 essa liminar foi cassada. Hoje, aguardam julgamento de mérito da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental – APDF n.° 54.
Enquanto restam dúvidas a respeito da permissão para o aborto de fetos portadores de anomalias, deve-se observar o dispositivo legal que até o momento declara ser o aborto crime tipificado, no artigo 124 do Código Penal Brasileiro; quem o praticar ou permitir que pratiquem contra si poderá ser condenado à pena de detenção de 1 (um) a 3 (três) anos.
Suas exceções referem-se aos casos de estupro e grave ameaça à gestante, o primeiro caso necessita de autorização judicial, enquanto o segundo, mediante avaliação médica e consequente justificativa do estado de necessidade para a realização do procedimento.
Daiana de Araujo Cosme
Advogada – OAB/SP 264346